Milhares de israelenses reúnem-se na Praça dos Reféns para celebrar o retorno dos reféns — 13 de outubro de 2025. (Foto: Matanya Tausig / Flash90)
Israel está prendendo a respiração hoje. Algo que muitos pensavam que nunca aconteceria está, finalmente, se concretizando: os últimos reféns estão voltando para casa.
Mas nem todos estão vivos.
Dos 48 reféns que estão sendo devolvidos, 20 estão vivos e 28 são corpos. Para as famílias, isso é, ao mesmo tempo, um retorno ao lar e uma grande tristeza.
Vinte e oito famílias estão se preparando, talvez, para finalmente trazer seus entes queridos para casa, ou, talvez, para enfrentar outra decepção. Israel insistiu nesse ponto com o Hamas, que todos os corpos devem ser devolvidos. O acordo exigia que todos os 48 reféns, vivos ou mortos, fossem devolvidos dentro de 72 horas. Quase imediatamente, o Hamas entrou em pânico – eles não sabem onde estão todos os corpos e não podem recuperá-los dentro de 72 horas.
Da forma como as coisas estão agora, o Hamas libertará o máximo que puder e, quando não tiver mais opções, uma força-tarefa internacional procurará os corpos desaparecidos, usando equipamentos e inteligência de Israel. Israel tem informações sobre alguns dos reféns assassinados, mas não de todos. Em Israel, existe uma palavra temida para soldados ou civis cujo corpo nunca foi encontrado: maqlan (abreviação de meqom q'vura lo noda), “local de sepultamento desconhecido.”
Existe um ethos na sociedade israelense de que nós não deixamos ninguém para trás, vivo ou morto, e que é importante recuperar o corpo de um falecido. Pessoas de fora, muitas vezes, têm dificuldade de entender essa obsessão em trazer os corpos de volta para casa.
Eu costumava ser cético em relação a isso. Por que insistir em devolver os corpos, mesmo que isso tenha um custo alto? Isso não incentivaria os nossos inimigos a matar em vez de capturar? Com o tempo, porém, eu percebi que o que parece fraqueza é, na verdade, força. Saber que Israel não desistirá deles é o que dá aos soldados das FDI a motivação para continuar. O fato de Israel continuar exigindo os corpos e um relatório completo de cada um dos reféns forçou o Hamas a monitorá-los, tornando impossível que se livrassem ou esquecessem de um refém sequer.
Milhares reúnem-se na Praça dos Reféns, aguardando que os reféns retornem de Gaza — 13 de outubro de 2025. (Foto: Miriam Alster / Flash90)
Ao contrário de muitos países europeus, Israel não tem um grande monumento para o “túmulo do soldado desconhecido”, porque faz parte do nosso ethos identificar cada um deles e marcar cada túmulo com um nome e uma história.
Quando a 2000ª vítima desta guerra foi morta, o Ynet News publicou as estatísticas completas em um site onde é possível ver cada pessoa, seu nome e sua história. Após o 7 de outubro, os israelenses também criaram um mapa interativo com um relatório completo de todos os diferentes eventos: quem foi morto, e onde, naquele dia. As pessoas trabalharam dia e noite durante os dias após 7 de outubro para identificar cada corpo, cada resto, cada dente, para garantir que nada fosse esquecido.
Seria isso um reflexo do nosso amor judaico inerente por mapas e gráficos? Da religião judaica, que exige um túmulo e que dá grande importância à preservação do corpo e ao seu sepultamento apropriado? De uma “retribuição” por como a nossa vida era descartável na Europa durante o Holocausto, quando a maioria dos corpos era cremada? De uma necessidade para documentar e provar que tudo realmente aconteceu, já que sempre haverá quem grite “mentira”? Ou seria, talvez, todas as alternativas acima?
Não sei. O que eu sei, com toda a certeza, é que os nossos inimigos não parecem compartilhar esse mesmo ethos de responsabilidade por seus mortos. Quando Israel recebeu os corpos da família Bibas, a investigação forense revelou que o corpo da mulher era de uma mulher desconhecida de Gaza. Eventualmente, o corpo verdadeiro de Shiri Bibas foi recuperado, mas isso me fez pensar: quem era aquela mulher de Gaza e onde está a sua família? Alguém se importava com ela? Ou ela era apenas mais um corpo entre tantos? A forma como o "Ministério da Saúde" do Hamas publicou números em que homens adultos, em idade de combate, foram definidos como bebês, e a maneira como vimos as histórias de corpos palestinos nas ruas depois que o Hamas os “expurgou” como “colaboradores”, tudo isso me mostra que eles simplesmente não se importam. Pessoas morrem e/ou desaparecem, e eles não se importam. Mas isso não é uma prerrogativa exclusiva das organizações terroristas — tenho a impressão de que a Rússia e a Ucrânia também não se importam.
As FDI têm uma unidade separada dedicada a encontrar soldados desaparecidos, chamada “unidade Eitan”, criada após a Guerra do Yom Kippur, em 1973, e eles se dedicam a garantir que a lista de soldados desaparecidos seja a menor possível. Eles fazem distinção entre “desaparecido” e “maqlan” (local de sepultamento desconhecido), desde que seja possível avaliar, com certeza, se a pessoa foi morta ou não. De acordo com o artigo da Wikipedia sobre a unidade (disponível apenas em hebraico), existem 3 soldados desaparecidos das IDF (Ron Arad, Guy Hever e Yehuda Katz) e 179 soldados das IDF com locais de sepultamento desconhecidos (maqlanim). Ao todo, existem 25 sepulturas de “soldados desconhecidos” — não monumentos, mas enigmas a serem resolvidos.
Ao longo da guerra, houve operações arriscadas nas quais os militares israelenses e o Mossad localizaram e recuperaram corpos de reféns em Gaza. Não sei se as FDI são o único exército do mundo que faz isso — arriscando a vida para recuperar corpos; para dar desfecho às famílias. Contudo, não foi apenas em Gaza, e não foram apenas vítimas recentes. Em maio de 2025, a unidade Eitan encontrou e recuperou o corpo de Zvi Feldman, que caiu na batalha de Sultan Yacoub, no Líbano, em 1982.
Após essa operação, o noticiário do Canal 12 (Israel) entrevistou o historiador Gur Alroey, que trabalha com a unidade Eitan para a Guerra da Independência de 1948. Ele vasculha os arquivos históricos de 1948, entrevista pessoas e resolve esses enigmas. A guerra de 1948 é particularmente problemática, pois a unidade Eitan ainda não existia, e a documentação era muito mais confusa. Após a guerra, havia cerca de 150 soldados com locais de sepultamento desconhecidos, e suas famílias nunca tiveram um desfecho. A questão se complicou ainda mais porque muitos corpos foram desfigurados e destruídos pelo inimigo, assim como no 7 de outubro; e, em 1948, não havia tecnologia para identificá-los. Em meados da década de 80, a Unidade Eitan decidiu ampliar as investigações para incluir casos de 1948.
Na entrevista, Alroey explica como resolveu vários casos, muitos dos quais, às vezes, levaram meses — ou até anos. Em determinado caso, ele descobriu que um local de sepultamento de sete pessoas tinha, na verdade, oito vagas; e ele conseguiu cruzar essa informação com a documentação da época, conectando-a a Mordechai Franko.
Os pais de Franko, é claro, faleceram há muito tempo, e nunca tiveram um túmulo para visitar. No entanto, os seus três irmãos choraram de alegria, e agora, vão ao seu túmulo todos os meses. Levou 64 anos, e tudo o que eles tinham era uma foto na parede – agora, eles finalmente têm um túmulo de verdade e a história de como ele foi morto. Ele não era mais apenas o irmão que foi para a guerra e desapareceu. Outro caso foi um estudo de como a documentação era ruim em 1948 — o homem que ele procurava, David Gutman, ainda estava vivo, tinha cumprido o serviço militar da reserva e dado palestras sobre a guerra em que participou. Alroey viu-se sentado na sala de estar de Gutman, tomando café.
Não sei de onde vem essa necessidade de identificar e recuperar cada corpo, mas não é do governo. Vem de baixo. São as famílias dos soldados e reféns que exigem isso. Tem-se discutido muito se é uma boa ideia gritar aos quatro ventos sobre os reféns, como os israelenses têm feito. Isso não aumenta o preço que o Hamas exige? Algumas pessoas dizem que, talvez, a diplomacia silenciosa, nos bastidores, seja a melhor alternativa. Mas foi isso que Israel tentou fazer depois que Ron Arad desapareceu em 1988 – e ele nunca foi encontrado. Ron Arad tornou-se um trauma para os israelenses, e, desde então, a exigência de resgatar reféns, não importa o preço, não importa se vivos ou mortos, tem sido a principal prioridade de Israel. E se não for a principal prioridade do governo, o povo o força a torná-la. Sim, isso cria uma enorme fraqueza — talvez a maior fraqueza da sociedade israelense. Na verdade, é provavelmente o oposto da “resiliência palestina” de que os nossos inimigos falam. Mas também é a nossa maior força.
Hoje, com o retorno dos últimos reféns — vivos e mortos —, Israel prova, uma vez mais, que se recusa a deixar alguém para trás. Sim, é uma fraqueza. Isso torna as negociações mais difíceis, e os inimigos, mais ousados. Em contrapartida, é, também, a nossa maior força. Isso mostra que cada vida importa, cada nome deve ser conhecido, cada história merece um final. Em um mundo onde a morte vem, muitas vezes, com facilidade, Israel insiste que até mesmo os mortos não são descartáveis. E é por isso que, a despeito do luto, Israel nunca para de procurar.