Ali Shaaban (Foto cedida)
Ali Shaaban, um marido e pai Árabe-Israelense do norte de Israel, está causando alvoroço. Ele declarou publicamente seu amor por seu país e clamou por paz e compreensão, quebrando tabus sociais em sua comunidade.
Shaaban começou a se manifestar em 2014, “em qualquer lugar que alguém estivesse disposto a ouvir”, e aos poucos mais pessoas estão ouvindo o que ele tem a dizer. Agora ele está se tornando uma voz bem conhecida e amada.
Nesta entrevista exclusiva ao ALL ISRAEL NEWS, Shaaban explica como passou a amar Israel, qual foi a reação às suas mensagens e o que pensa sobre o futuro de Judeus e Árabes nesta terra.
ALL ISRAEL NEWS: Você pode nos contar um pouco sobre sua origem, sua família e como você cresceu?
Shaaban: Nasci na cidade de Nazaré em 1984, em uma família Árabe-Muçulmana tradicional. A cidade em que cresci estava envolta em códigos rígidos de honra, hierarquia e, às vezes, medo. A comunidade ao meu redor era, em sua maioria, conservadora, com regras internas rígidas: o que poderia ser dito, o que nunca deveria ser perguntado e quem nunca deveria ser ouvido.
Era um espaço que moldava uma identidade coletiva muito clara: nós somos as vítimas, eles são os invasores. A identidade Palestina não era apenas uma identidade nacional, mas também um sentimento religioso, social e, às vezes, quase existencial. Aprendemos a história por meio de uma única lente: a do sofrimento, do deslocamento, da traição do mundo e do ódio contra um Estado que era visto como ilegítimo. Não era apenas uma história - era uma verdade esculpida em pedra, que não podia ser questionada.
Com o passar do tempo, surgiu um sentimento de que “algo não está batendo certo”. Talvez tenha começado quando conheci amigos Judeus. Talvez tenha se aprofundado quando tomei a decisão de me alistar na IDF - uma decisão quase impensável em meu ambiente. O serviço militar me expôs não apenas à sociedade Judaica, mas também à complexidade da realidade local, às histórias que nunca nos foram contadas em casa e às pessoas que eram completamente opostas ao que eu havia sido ensinado a acreditar.
A partir desse momento, iniciou-se um processo dentro de mim que ainda não terminou - um processo de desconstrução e reconstrução: desconstruir convenções, desmantelar narrativas que pareciam sagradas, e fazer perguntas que eu nunca tive permissão para fazer. Em seu lugar, comecei a construir um novo tipo de consciência. Uma consciência que não nega nenhuma parte de minha identidade, mas que também não aceita cegamente tudo o que me foi dito. A consciência de uma pessoa que busca a verdade, mesmo que ela seja complicada. A consciência de um cidadão em um país que nem sempre o entendia, mas que ele escolheu tentar entender.
Hoje, sou técnico de som, professor de música, produtor musical, técnico em palmilhas ortopédicas e criador de conteúdo social com o objetivo de abrir um novo diálogo entre Judeus e Árabes. Moro na Galileia, sou casado e pai, ligado à tradição, mas não cego a ela. Não sou estritamente religioso, mas minha fé é profunda - fé em Deus e nas pessoas. Fé de que há outra maneira de viver aqui, sem abrir mão de nenhuma parte de quem eu sou.
ALL ISRAEL NEWS: O que o levou a querer começar a falar publicamente e que mensagem você queria transmitir?
Shaaban: A decisão de começar a falar publicamente não foi um momento único e preciso - foi um processo. Um processo que nasceu de uma colisão interna entre dois mundos em que eu vivia. De um lado, a identidade Árabe e Palestina na qual fui criada, com todo o seu peso histórico, dor e a constante sensação de ser marginalizada. E, por outro lado, minha vida real no Estado de Israel: meu serviço militar, meus amigos Judeus, a exposição à cultura Judaica e à história do povo Judeu - tudo isso despertou em mim questões profundas sobre justiça, pertencimento e verdade histórica.
Quanto mais eu me aprofundava no assunto, mais entendia que o discurso existente bloqueia qualquer caminho real para a reconciliação. Ele se baseia em medos, negações e acusações mútuas, e não na escuta e no reconhecimento mútuo. Senti que precisava quebrar o silêncio, parar de temer o que as pessoas poderiam dizer e oferecer uma voz diferente - a voz de alguém que acredita que é possível ser Árabe e cidadão leal do Estado, sem renunciar à própria identidade, mas também sem odiar o outro.
Minha mensagem é simples, mas subversiva: os Judeus não são estranhos aqui. Eles não são colonizadores nem invasores. Eles são um povo antigo que voltou para casa, assim como nós sentimos que esta terra é nossa. Se não reconhecermos isso, não poderemos seguir em frente. E digo isso não por rendição, mas por responsabilidade.
ALL ISRAEL NEWS: Que tipo de resposta você recebeu?
Shaaban: As respostas que recebi foram como um espelho que reflete nossa sociedade: por um lado, um apoio esmagador - de Judeus surpresos com essa nova voz Árabe, e de jovens Árabes que sentiram alívio por alguém estar finalmente dizendo em voz alta o que eles sentem em silêncio em seus corações. Recebi cartas, mensagens, abraços na rua e, acima de tudo, apelos: “Continue, você está falando por todos nós”.
Mas junto com esses pedidos vieram outras reações, mais dolorosas. Ataques, insultos, calúnias, especialmente de pessoas da comunidade Árabe que achavam que eu estava “passando dos limites” ou menosprezando o sofrimento Palestino. Houve momentos difíceis, mas cada uma dessas reações apenas destacou o quanto nosso discurso está travado - e como ele precisa desesperadamente de uma verdadeira sacudida.
ALL ISRAEL NEWS: Quantos Árabes Israelenses você acha que compartilham da sua visão de mundo?
Shaaban: Na minha opinião, muitos. Sinto isso em conversas particulares, em mensagens anônimas, em olhares de solidariedade silenciosa. Há um público inteiro de Árabes em Israel - e até mesmo entre os Palestinos na Cisjordânia - que estão cansados do ciclo de violência e da falta de esperança. Eles não querem levantar uma bandeira branca - eles só querem viver. Com dignidade. Com segurança. Com um futuro. Mas eles permanecem em silêncio. Porque em nossa sociedade, o pensamento independente tem um preço alto. Porque questionar a narrativa em que você foi criado é quase considerado traição. Mas acredito que, quando as pessoas perceberem que há outro caminho, elas se juntarão a nós. Lentamente, mas com certeza.
TODAS AS NOTÍCIAS DE ISRAEL: Você sofre discriminação em Israel? Há algo que o frustra?
Shaaban: Pessoalmente, desde que me alistei nas IDF e me integrei à sociedade israelense, sinto-me um cidadão igual. Trabalho com Judeus, vivo com eles, crio com eles e tenho amigos íntimos de todos os setores. Nunca senti que alguém me desprezasse. Mas essa não é a realidade de todos. A discriminação existe, especialmente para aqueles que vivem em vilarejos e cidades Árabes isoladas, que não servem e que não fazem parte da esfera cívica e social Israelense. Eles não interagem com os Judeus em suas vidas diárias e não têm um senso de pertencimento ao Estado. E isso é frustrante, porque muitos deles são talentosos e boas pessoas que simplesmente perderam a fé. O que me irrita às vezes é que as pessoas querem se aproximar, mas simplesmente não há pontes suficientes para que isso aconteça. Nem do sistema, nem de sua própria sociedade. Acredito que a mudança deve vir de ambos os lados.
ALL ISRAEL NEWS: O que você gostaria que o mundo Ocidental soubesse?
Shaaban: Que a realidade aqui não é uma história de “mocinhos x bandidos”. Não é “opressor versus oprimido” ou “vítima versus vilão”. É a história de dois povos, cada um carregando a dor, a memória e a saudade de seu lar. O povo Judeu não chegou aqui por acaso - eles retornaram ao local onde nasceram sua identidade, religião, idioma e sonhos. E o povo Palestino - eles também não são meras vítimas, mas um povo que busca seu lugar em um mundo em transformação.
O mundo Ocidental geralmente vê o conflito por meio de uma lente colonial, mas essa visão é equivocada. Não se trata apenas de terra - trata-se de identidade, pertencimento e futuro. Acredito que se mudarmos a conversa de “quem tem razão” para “como podemos viver juntos”, poderemos começar a escrever uma nova história - uma história de reconciliação, não de negação. Também é importante que eu esclareça ao mundo Ocidental que, dentro do Estado de Israel, Judeus e Árabes já vivem lado a lado - trabalhando juntos, estudando juntos, curando-se juntos nos mesmos hospitais e até mesmo servindo juntos no parlamento. As condições de vida dos cidadãos Árabes de Israel estão entre as melhores do mundo Árabe - incluindo liberdade de religião, direitos civis, acesso à educação e ao ensino superior e serviços avançados de saúde.
E isso não é apenas uma questão de benefício material - é uma prova de que a coexistência é possível e, de fato, já está acontecendo.
O verdadeiro conflito não é entre Judeus e Árabes dentro de Israel - é com uma liderança Palestina que se recusa a reconhecer a legitimidade do Estado de Israel e o direito do povo Judeu de retornar à sua terra natal histórica. Essa não é uma questão de fronteiras de 1967 ou de soluções técnicas - é uma questão de reconhecimento. Enquanto gerações de crianças forem ensinadas que os Judeus são “estrangeiros” e “ocupantes”, nenhuma parceria verdadeira poderá surgir.
Quero que o mundo pare de julgar Israel pelas lentes do Ocidente e comece a ouvir a real complexidade da nossa história. Uma história em que há espaço para dois povos - se apenas eles estiverem dispostos a se reconhecerem mutuamente. Se o mundo realmente quiser entender e ajudar, deve parar de projetar o passado colonial da Europa no Oriente Médio e começar a ouvir nossa complexa realidade, cara a cara.
TODAS AS NOTÍCIAS DE ISRAEL: A última palavra de Shaaban sobre o assunto?
Shaaban: Paz.